Descoberta da USP apresenta potencial para tratar câncer

Pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) identificaram um pequeno peptídeo sintético com potencial para inibir o crescimento patológico de novos vasos sanguíneos, processo que ocorre em doenças como retinopatia e câncer.

O estudo, publicado na revista Science Advances, foi conduzido durante o pós-doutorado de Jussara Michaloski Souza, sob a coordenação do professor Ricardo Jose Giordano, do Instituto de Química, com apoio da Fapesp.

O peptídeo ainda não é um fármaco, mas pode servir de modelo para o desenvolvimento de um novo inibidor de angiogênese –processo de formação de novos vasos sanguíneos a partir de outros já existentes.

Imagens mostram a diferença na espessura da camada vascular na retina dos seguintes grupos (sentido horário): animais sem retinopatia; animais com retinopatia induzida tratados com o peptídeo; animais com retinopatia tratados com placebo e animais com retinopatia sem tratamento

A angiogênese pode ocorrer de maneira fisiológica, durante um processo de cicatrização ou quando há aumento na demanda de oxigênio e nutrientes em um determinado tecido.

Mas no caso da retinopatia diabética, por exemplo, o excesso de glicose no sangue induz um desenvolvimento excessivo e desorganizado dos vasos da retina –causando lesões no tecido e podendo comprometer a visão. Já em alguns tipos de câncer, o tumor libera mediadores que induzem uma intensa angiogênese para aumentar o aporte de oxigênio e nutrientes para as células malignas continuarem a se proliferar descontroladamente.

Os principais mediadores envolvidos no processo de angiogênese são quatro proteínas da família VEGF (fator de crescimento endotelial vascular, na sigla em inglês): VEGFA, B, C e D.

Elas precisam se ligar a receptores específicos existentes na superfície das células –as proteínas VEGFR-1, 2 e 3– para que seja disparada uma cascata de sinalização intracelular e o processo de formação dos novos vasos tenha início.

Descoberta

Para encontrar a molécula que melhor interagia com a porção extracelular dos receptores, o grupo coordenado por Giordano desenvolveu e triou uma biblioteca com quase 10 bilhões de peptídeos diferentes. Para isso, foi usada uma técnica conhecida como Phage Display.

O método consiste em manipular o genoma de bacteriófagos (vírus que infectam bactérias) para fazer com que cada partícula viral sintetize um diferente peptídeo – que fica aderido à sua proteína de superfície.

Os primeiros ensaios indicaram o peptídeo PCAIWF como o mais promissor. Ao realizar novos testes in vitro com a molécula purificada (não mais acoplada ao bacteriófago), os pesquisadores descobriram que ela também se ligava ao VEGFR-1 e 2, bloqueando a ação de toda a família VEGF.

Para testar o efeito in vivo, os pesquisadores usaram um modelo de camundongo que simula a retinopatia da prematuridade. Em bebês humanos, essa condição é causada pela exposição excessiva ao oxigênio em incubadoras neonatais. O gás inibe a formação dos vasos da retina, que normalmente ocorre nas últimas semanas de gestação. Quando o bebê sai da incubadora, o tecido ocular passa a sofrer de hipóxia (falta de oxigênio) e ocorre uma angiogênese patológica.

Os camundongos foram colocados aos sete dias de vida em uma câmara de oxigênio e permaneceram lá até o 12 º dia. No 15º dia, parte dos animais recebeu uma injeção intraocular com o peptídeo PCAIWF e, dois dias depois, quando deveria ocorrer o ápice do processo de angiogênese, os camundongos foram analisados.

Enquanto nos animais que receberam apenas placebo os sinais de retinopatia eram evidentes, no grupo tratado com o peptídeo a área vascular e a profundidade da vasculatura estavam semelhantes às dos roedores que não passaram pela câmara de oxigênio e, portanto, apresentavam o desenvolvimento normal da retina.

Os resultados abriram novas frentes de pesquisa. Uma delas, que já teve início, é o estudo aprofundado da estrutura do peptídeo, por meio de métodos como ressonância magnética nuclear, para entender como ele interage com os receptores.

Atualmente, há no mercado o biofármaco injetável bevacizumab, que age neutralizando a ação do VEGFA. Mas é um medicamento caro. Custa cerca de R$ 5 mil a dose e são necessárias injeções mensais.

Outra opção é o fármaco sunitinibe que, embora tenha a vantagem de ser administrado via oral, apresenta mais efeitos colaterais por ter ação sistêmica.

Com informações da Agência Fapesp